Chomsky: a censura só mudou de mãos

O lingüista falou exatamente o que os repórteres preferem não ouvir: os jornalistas já assimilaram o discurso dos donos do poder. E arrematou: "Quanto mais se desenvolver uma mídia que apoie o povo, mais a mídia será obrigada a ceder"

Por André Deak

Porto Alegre, 2 de fevereiro de 2002 - A entrevista coletiva do professor de lingüística do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT) Noam Chomsky não rendeu revelações surpreendentes, mas serviu para demonstrar uma das teorias do próprio professor. Chomsky já escreveu que "um sistema habilidoso de propaganda procura fomentar o debate animado, sem restringir as premissas que permanecem implícitas, na expectativa de que as pessoas vão acreditar que as questões em pauta estão realmente sendo debatidas a sério. Esse é o método geralmente adotado por aqueles que buscam 'arregimentar as mentes dos homens' em sociedades mais livres". Nesta quinta-feira pudemos presenciar um bom exemplo disso.

A sala do Palácio Piratini, sede do governo do Estado do Rio Grande do Sul, estava completamente lotada. Jornalistas do mundo todo espremiam-se tentando encontrar um ângulo para uma boa imagem ou simplesmente uma posição para escutá-lo. Quando ninguém mais podia sequer mover-se, sob o risco de atrapalhar alguma lente fotográfica posicionada milimetricamente entre várias cabeças, Chomsky iniciou, mas passando a responsabilidade aos jornalistas: "Estes microfones não deveriam estar voltados para mim, mas para o outro lado. Passo a palavra a vocês". Infelizmente, as perguntas feitas pela Globo/RBS, Financial Times, Valor e outros tantos não renderam respostas novas de Chomsky nem levaram adiante qualquer debate levantado pelo lingüista.

Uma das características reconhecidas de Chomsky é a de ser um grande crítico da mídia, principalmente da chamada grande imprensa que, segundo ele, serve e é controlada pelos grandes grupos de poder - em outras palavras, o dinheiro. Chomsky já sustentou, no site Z Maganize, onde é colaborador, que ninguém precisa dizer aos jornalistas o que perguntar ou o que não perguntar (ao que chamaríamos censura); "existe todo tipo de dispositivo de filtração para desfazer-se de gente que pensa de forma independente e possa criar problemas". Então, teoricamente, os repórteres que estavam na coletiva já internalizaram os conceitos e preconceitos dos veículos para o qual trabalham e, pior, de todo o sistema de informação dos grandes grupos de poder. O grande confronto, mídia versus crítico da mídia, não ocorreu afinal.

As perguntas ficaram em torno de assuntos esperados: 11 de setembro, globalização, II Fórum Social Mundial e Alca. "Ninguém está contra a globalização. Os trabalhadores começaram a globalização com a primeira Internacional, há muito tempo. Os maiores sindicatos são internacionais. Isto é que é a globalização, no interesse do povo. Este é o verdadeiro fórum da globalização; o anti-globalização está acontecendo em outra parte do mundo". O lingüista argumentou que "parte das lutas ideológicas é roubar terminologias". Segundo ele, o que hoje é conhecido como "globalização" é apenas um tipo específico dela, boa apenas um grupo e não para os povos.

Sobre o Fórum, Chomsky recordou que uma grande realização do ano passado foi a tomada de decisão contra a criação da Alca, mesmo com os grandes grupos de poder tentando escondê-la. "Essa discussão não foi levada à mídia, nem estava na campanha presidencial de nenhum candidato norte-americano, simplesmente porque era claramente o embate entre duas políticas: a do povo e a do poder". Este ano, contudo, o Fórum tem a tarefa de frear a militarização mundial: "Ou temos um mundo sem guerras, ou simplesmente não teremos um mundo. A tecnologia para destruir a vida humana já existe, mas o uso espacial dessa tecnologia é uma novidade".

O ataque terrorista do 11 de setembro também foi assunto de perguntas. "Eles já estão familiarizados com esse tipo de ataque. A Europa não conquistou o que tem hoje pedindo educadamente. Mas só agora os ricos experimentaram um pouco do que estão acostumados a fazer com os outros". O problema, afirmou, é que antes do ataque não havia tanta liberdade para a repressão: "Saindo daqui, irei a um julgamento na Turquia, de um editor que foi preso porque ousou publicar algumas frases minhas. Aposto que antes do 11/set isso não aconteceria".

Ao perguntarem se existe algum exemplo concreto de algum lugar onde exista uma democracia econômica, Chomsky respondeu: "Perguntar se existe algum exemplo de qualquer coisa é perigoso, porque se voltássemos dois séculos, alguém poderia perguntar 'mas existe algum exemplo de uma sociedade sem escravos?'. Mas há 150 anos já havia escravos dizendo que os meios de produção deveriam pertencer a eles, os trabalhadores, sem nunca terem visto um exemplo ou conhecido Marx".

No final, apenas, uma jornalista levantou o tema mídia independente, mas já era tarde demais. Chomsky disse que "se é que existe hoje alguma imprensa livre, deveria ter mostrado o que Barak e Clinton querem para a Palestina, que é o mesmo que fizeram com a África do Sul há 40 anos". Imprensa alternativa? "É preciso apenas esforço e energia para fazer o que é necessário. Quanto mais se desenvolver uma mídia que apoie o povo, mais a mídia será obrigada a ceder e mais as ditaduras, ou os tiranos que vivem em sociedades ditas livres terão que ceder. E não há diferença entre vender-se para um tirano ou alugar-se para um".