Taxa Tobin também para a questão urbana?

Foi o cientista político italiano Cesare Ottolini quem lançou a idéia acima. "Que tal atacar esses fundos de pensão que têm 13 trilhões de dólares?" Para ele, essa "mixaria" bastaria para acabar com o problema da habitação no mundo

Por Jorge Pereira Filho

Porto Alegre, 4 de fevereiro de 2002 - Eram pouco mais de 10 horas. Ermínia Maricato, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, interrompeu a Conferência sobre Cidades, Populações Urbanas e disse com voz firme, nítida, pausada: "gostaria, agora, de prestar uma homenagem ao Movimento Nacional pela Luta para Moradia, que ajudei a fundar e ontem participou de uma ocupação de um prédio público que não estava sendo utilizado aqui em Porto Alegre. Ermínia levantou-se e vestiu uma camisa vermelha. Palmas, urros. E do alto de seus quase 1,60, cabelos curtos, completou: "Queremos que a lei nacional que fala do aproveitamento de prédios públicos subutilizados seja cumprida!" O público, sentado na arquibancada, aplaudia entusiasmado a atitude da arquiteta.

Mas esse não foi o grande mérito da conferência realizada no Colégio da Brigada Militar, embora o ato mais emocionante. O destaque ficou para a apresentação de propostas concretas. O cientista político italiano Cesare Ottolini, da Habitat International Coalition (HIC), disse que iria procurar os amigos da "Taxa Tobin" para que, caso seja implantada, uma parcela da verba seja destinada para a habitação. Outra proposta foi levantar recursos com fundos de pensão. "Uma porcentagem mínima resolveria o problema da habitação. Vamos atacar esses fundos de pensão que têm 13 trilhões de dólares", afirmou.

Cesare sugeriu que fosse lançada uma "conspiração" pela construção de uma proposta para a habitação: "não é importante apenas lançar slogans, mas pensar juntos, lançar uma frente solidária. Tenho certeza de que no ano que vem poderemos trazer boas notícias". O francês Gustave Massiah, professor e ativista do Attac, também pareceu otimista. Para ele, o que antes era um movimento de contestação ao modelo neoliberal, hoje já tem condições de apresentar propostas. "A idéia de que estamos em crise e que vamos resolvê-la é errônea. Queremos construir um projeto a partir dos movimentos sociais que despontam no campo e na cidade".

Resistência é libertação

O mexicano Guillermo Curiel, da Federação Continental das Organizações Comunitárias (Fecoc), enfatizou o momento propício para os movimentos urbanos. "Na história da América Latina, nos enganaram três vezes.
Quando disseram que nós éramos iguais perante Deus; quando legislaram dizendo que éramos iguais perante a lei; e quando defenderam que éramos iguais no mercado e no consumo e que consumindo seríamos felizes. Agora, essa enganação vai acabar", afirmou. Curiel traçou um quadro das principais reivindicações dos movimentos populares da América Latina. Em Honduras, a luta é pela terra sepultada por furacões; em El Salvador, o povo quer evitar a dolarização da economia; na Bolívia, briga-se para impedir a privatização da água, que não foi evitada no Chile; No Brasil, Uruguai, Guatemala e México, as manifestações reivindicam terra, saúde e educação.

"O cidadão pós-moderno não tem direito à saúde, à educação, ao trabalho porque estes direitos não estão mais vinculados ao estado. Este processo produziu a destruição do planeta", avaliou o mexicano. Segundo ele, os objetivos da Fecoc não são modestos: quer reconstruir o estado, colocar o ser humano como o centro das políticas púlicas, provar que é possível viver em harmonia com a natureza, com assentamentos ecológicos. "Queremos mostrar que a resistência é uma opção de libertação", concluiu Curiel.

A indiana Sudha Sundararaman, da Associação Democrática das Mulheres da Índia, segue lema semelhante: resistir ao processo de globalização do ponto de vista ideológico, político e cultura. "O Eu está sendo separado da sociedade", disse. Sudha trouxe números: existem na Índia 100 milhões de favelados, 25% da população urbana. A indiana relatou alguns exemplos da realidade no seu país. Polícia que seqüestra familiares de suspeitos e faz chantagem. Mulheres assassinadas pela família para não pagar o dote.
Ativistas mortos e mulheres espancadas pela atuação no movimento contra o aumento da tarifa de energia. Mulher morta por protestar contra a privatização da água. Como bem analisou Ermínia Maricato, os
assassinatos de líderes que contrariam a vontade dos poderosos não é exclusividade brasileira.

O norte-americano Peter Marcuse, professor da Universidade de Columbia e presidente da Comissão do Planejamento de Los Angeles, propôs um método de trabalho: expor a realidade, esclarecer as propostar, organizar e agir. "Somos contra a dominação, a exploração e a injustiça política e econômica", disse. Marcuse destacou dois pontos. Primeiro, viu que é urgente esclarecer o papel dos organismos financeiros, como o FMI e o Banco Mundial. "Eles nos representam ou teremos de criar nossas próprias instituições?" Em seguida, colocou a democracia em questão. "Não acho que a democracia regional seja solução, é preciso também atingi-la em escala nacional". No final da conferência, uma crítica. Um recado da platéia critica a escolha do local que não facilita o acesso a deficientes físicos. "No mínimo, contraditório com a discussão sobre populações urbanas", dizia o texto.