“Com o atual sistema, nem Deus”

Por Solange Cavalcante
EmCrise – 26/01/2003

Como combater a centralidade política? Quais as alternativas ao modelo neoliberal? Na manhã de 25 de janeiro do terceiro ano do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, a não aceitação da organização dos Estados baseada nas World Trade Organizations (Organização Mundial do Comércio) foi a grita geral.

No painel Governança Econômica Global e Instituições Internacionais, uma das certezas foi a de que a seguridade social não é nem permitida nem possível na economia de mercado. Nesse modelo, os eixos são a liberalização do mercado de capitais, os preços dos bens básicos baseados no mercado, o livre comércio e a economia descentralizada. Segundo os participantes, essa mistura é a origem da corrupção.

"Por que vocês não falam da corrupção na América Latina?", alguém critica. "Porque o roubo é fabricado pelo FMI e Banco Mundial", responde Njoki Njoroge, da organização Fifty Year is Enough, do Quênia/EUA. "Eles financiam ditadores e governos corruptos". Njoki conta que, em 1997, os bancos internacionais suspenderam a ajuda ao Quênia devido à corrupção. Recentemente, de forma escusa, foram perdoadas todas as dívidas de antes de 1998.

Kevin Danaher, da Global Exchange, diz que, quando se fala de corrupção nos países pobres, é comum culpar a vítima: "Ela não é prerrogativa do hemisfério Sul", garante. "Dizem que, no terceiro mundo, as pessoas são indolentes, têm muitos filhos e não querem trabalhar. É como se corrupção fosse um fator psicológico. Temos que dizer que a corrupção tem a ver com Wall Street". "O maior crime", avalia Yao Graham, (Third World Network, de Gana) "é a Argentina, por exemplo, ter de reconstruir suas instituições mais básicas, com a ilusão de que pagará a dívida".

Está marcada para 10 de setembro, em Cancún, no México, uma reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). Graham aposta na pressão das organizações sociais para impedir o consenso em torno dos documentos do órgão.

Há acordo: no momento em que a indústria e seus representantes políticos buscam, em Davos, reverter sua crise de legitimidade, os países pobres devem buscar um programa mínimo de reformas para fugir à subserviência. A orientação é por respeito ao patrimônio e recursos naturais, divisão igualitária das riquezas da terra e que as empresas invistam na economia local. Além disso, deve-se garantir acesso à informação para que as pessoas decidam sobre desmilitarização, meio ambiente e questões de gênero, por exemplo.

Os participantes do painel estariam pensando numa espécie de ONU com a idéia de que, talvez, "uma outra ONU seja possível?" Organizaríamos uma entidade coletiva global? "Pode ser", diz Njoki Njoroge. "Só que não controlada por ricos". Cecília Lopez (Iniciativa Cartagena, da Colômbia) alerta: "Não podemos ser românticos. Não é ajustar o modelo. Se a estrutura de poder não for mudada, podemos implementar o modelo até mesmo de Deus, mas nada vai adiantar".