O
dia em que Eduardo Galeano venceu o Gigantinho
Por Rodrigo
Savazoni
EmCrise* – 26/01/2003
São
dez para as sete da tarde. Pelas janelas do Gigantinho, ginásio anexo
ao estádio Beira-Rio, o sol investe suas últimas luzes contra
a multidão. Calor. Suor.
– Maestro Galeano está preso no trânsito, avisa, ao microfone,
o organizador. (vaias).
Calor. Suor. Cinco minutos antes, uma bandeira feita de bandeiras de variadas
organizações passára de mão em mão, por
sobre a cabeça dos homens e mulheres que se aglomeram na arquibancada
do ginásio. A alegria é um imperativo no Fórum Social
Mundial.
Eduardo Galeano vem para falar em conferência sobre paz e valores.
Esperam-lhe cerca de 20 mil pessoas. Querem ouvi-lo, compartilhar de sua
inteligência. Calor. Suor. Antes, querem agradecê-lo, por ter
lhes mostrado que o pensamento não é único, nem nunca
será.
No alto-faltante, tocam os primeiros acordes de Uma Brasileira, dos Paralamas
do Sucesso. A música termina. O programador emenda Luiz Inácio
(300 Picaretas). A multidão canta o rap de Herbert Vianna e ensaia
o grito que é marca registrada do presidente da República
Federativa do Brasil: "Olê, olê, olá, Lu-lá,
Lu-lá". O coro aumenta. 300 Picaretas toca outra vez. Mal sabiam
o que lhes esperava.
Não há espaço para viv'alma no Gigantinho. O Ginásio
do Colorado é pequeno para Galeano. Calor. Suor. No rádio,
segue a voz de Herbert Vianna, tema dele e do ministro Gilberto Gil: "Ó,
mundo tão desigual/Tudo tão desigual/ou...ou...ou..."
Clima de clássico futebolístico. Bem ao gosto do escritor
uruguaio. Gritaria, dança, rebolado. Calor de esmorecer. Eduardo
Galeano é apaixonado pelo futebol brasileiro, pela ginga, pelo carnaval
do Rio de Janeiro. É um homem de gosto popular.
Sete horas. Em ponto. O maestro entra no palco. Acena, sob chuva de palmas.
No espaço reservado à imprensa, aglomeram-se fotógrafos
e jornalistas à caça de um momento único. Acompanham-no
o teólogo Leonardo Boff - também muito aplaudido -, o sociólogo
Jean Ziegler e a indiana Radha Kumar. Bandeiras do Uruguai são deflagradas.
A mestre de cerimônia comenta:
– Estas personalidades que aqui estão reúnem mais público
que uma banda de rock. Mas, diferentemente dos astros da música pop,
precisam de silêncio para serem ouvidas. (aplausos efusivos. vaias.
tudo ao mesmo tempo).
Galeano dá início à sua fala. Calor. Suor. Diz acreditar
que as manifestações anti-guerra provam que um outro mundo
é possível. Cita John Reed, o autor de Os Dez Dias que Abalaram
o Mundo - "As guerras crucificam a verdade". Reed morreu em busca
da verdade. Galeano segue em sua cruzada. Ambos, unidos pela palavra profunda.
Desveladora. A palavra, roubada dos homens pelos amos do mundo. Galeano
nos devolve:
– Onde lê-se cruzada do bem contra o mal, entenda-se petróleo,
petróleo, petróleo... (aplausos)
Prossegue com a lista da barbaridade. Enumeram-se frases inesquecíveis.
1 - "O povo vota, os banqueiros vetam". 2 - "Cinco países
tomam decisão no FMI. No Banco Mundial, um pouco mais democrático,
sete decidem". (risos) 3 - "Na Organização Mundial
do Comércio todos os países têm direito ao voto. Mas
nunca votaram" (risos) Galeano é irônico, mordaz, um tanto
arrogante. Senhor do que pensa e diz.
Sobre o presidente brasileiro, vocifera:
– A eleição de Lula vai muito além das fronteiras
deste país.
A multidão se inflama: retoma o "Olê, olê, olá,
Lu-lá, Lu-lá". O coro cresce. Galeano junta-se a ele.
Do microfone, rege o público, que aos poucos se acalma.
– Porque a vitória de Lula é a vitória de um
trabalhador sindicalista que que irá ajudar a distribuir as vitaminas
contra a peste da desesperança. (ovação) É o
ápice.
A noite ainda reservaria bons momentos. Como quando Galeano sugeriu uma
agenda comum para Davos e Porto Alegre, contra o terrorismo, que ajudaria
a distribuir "cartazes de WANTED para os mercadores de armas que necessiam
da guerra como os fabricantes de agasalhos necessitam do frio." Ou
quando disse ser o petróleo um senhor idiossincrático, "com
mania de derrubar governos, promover a guerra, poluir o ar e manchar as
águas". Mas já era o bastante. O Gigantinho já
estava rendido. Pela fala de Galeano. Pelo calor. Pelo Suor.
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