Versão brasileira do panelaço

O som das panelas batendo também foi ouvido em Porto Alegre. Quase mil pessoas se juntaram - munidos de seus utensílios de cozinha - numa passeata para prestar solidariedade aos companheiros, ou melhor, vizinhos argentinos

Por André Deak

Porto Alegre, 02 de fevereiro de 2002

"Pessoal, vamos seguir o carro de som... Deixa o carro de som passar na frente... E vamos fazer menos barulho com as panelas, que não dá pra escutar o discurso dos companheiros..."

O panelaço em solidariedade aos argentinos que aconteceu hoje em Porto Alegre, organizado por algumas entidades de esquerda brasileiras, ficou bem distante das manifestações argentinas que vimos ocorrer recentemente. Lá as bandeiras de partidos políticos são praticamente proibidas e o termo "companheiro" foi substituído por "vizinho", para não caracterizar o movimento com qualquer ideologia existente. Lá, os partidos e os políticos estão desacreditados, e os últimos não são bem vindos a ponto de não poderem sair para jantar fora porque são vaiados no restaurante.

Aqui, entretanto, a história ainda é outra. Quase mil pessoas acompanharam a marcha que saiu do acampamento Carlo Giuliani em direção à Praça Argentina, seguindo o carro de som do Sindicato dos Bancários e as bandeiras do PSTU, principalmente. Havia gente como Hebe de Bonafini, da Associacion Madres de Plaza de Mayo, Luca Casarini, dos Tutte Bianche (protagonistas das mobilizações em Gênova contra o G8), Michael Hardt, que escreveu junto com Toni Negri o livro Império, um dos mais famosos do movimento anti-globalização, e outros vários ativistas espanhóis e franceses, entre outros. E, é claro, argentinos. Martin Crovetto, por exemplo, que é vendedor de seguros em Buenos Aires e também do Movimiento al Socialismo (MAS), foi à caminhada "por apoio aos argentinos", mas contra a utilização política da passeata. "Ninguém do MAS vai subir em carro de som para fazer discurso".

Uma grande parte de panelas, que não eram muitas, estava nas mãos de brasileiros. De qualquer forma, um
número maior seria demais: durante o panelaço, o rapaz que estava ao microfone pediu "para fazer menos
barulho", porque não dava para escutar o discurso dos companheiros. Assim como pediu também, quando a
caminhonete ficou atrás das pessoas, para que deixassem "o carro de som ir na frente, pessoal". Insistiu nisso até que a marcha parasse para o carro passar.

Um episódio interessante foi o momento em que a marcha passou ao lado de um deficiente físico caído, sujo, quase sem roupas, aparentemente desmaiado. O carro de som passou, os brasileiros passaram, os argentinos e os espanhóis passaram. Muitos estranharam a figura, mas a marcha seguia. Um uruguaio perguntou: "por que ninguém ajuda esse homem?". Enquanto ninguém soube responder, a marcha solidária aos argentinos passou. Alguns uruguaios e um brasileiro da Secretaria Estadual de Casas de Estudantes do RS, entretanto, foram também solidários ao homem desconhecido à sua frente e ficaram.

Finalmente, as bandeiras e faixas chegaram à praça. Amontoaram-se perto do carro de som fazendo com que ninguém pudesse ler o que estava escrito nelas nem ver quem estava falando. Uma voz sobressaiu em meio aos discursos partidários: Hebe de Bonafini, que foi saudada aos gritos de "Madre de la plaza, el pueblo la abraza!". Depois que desceu, Hebe disse que o Fórum "está sendo desvirtuado. Chamam os políticos e não os lutadores". Hebe não está em Porto Alegre como convidada. "Estou clandestina", disse. E acrescentou: "Quando não chamam lutadores como os zapatistas, como Fidel, como as Madres, é porque estão se tornando sociais democratas. Então é bom ter cuidado".