Samba
se aprende na Academia
"São
poucos os pesquisadores que se voltaram sobre a realidade de São
Paulo. Sempre houve mais interesse sobre o samba do Rio, que é
um fenômeno muito mais internacional"
Por Solange
Cavalcante
EmCrise 03/2003
A reportagem
do EmCrise conversa com Olga Rodrigues de Moraes, pesquisadora
do samba de São Paulo, professora e diretora do Centro de Memória
da Universidade de Campinas. Às vésperas do carnaval, ela
esteve em São Paulo para acompanhar a apresentação
de seus alunos, também envolvidos com a divulgação
e o resgate do samba verdadeiro.
EmCrise: Como a senhora sistematizou sua pesquisa sobre o samba
paulista?
Olga
Moraes:
Fiz esse trabalho quando ainda morava em São Paulo, junto ao Centro
de Estudos Rurais e Urbanos da Universidade de São Paulo. No Mestrado,
trabalhei com o carnaval do século XIX, que era um carnaval de
elite. Ele se realizava através de grandes préstitos luxuosos
e de bailes nos teatros e nos clubes. Depois, no Doutorado, eu recuperei
a história dos caiapós, dos cordões e das escolas
de samba. Trabalhei com as grandes lideranças do samba negro de
São Paulo. Entrevistei todas elas, que ainda estavam todas vivas
nos anos 70 e 80. Mostrei esse carnaval em contraposição
ao carnaval operário do Brás, da Mooca e da Lapa, tanto
que o trabalho se chama Carnaval em Branco e Negro. Em 1989, na Unicamp,
continuei orientando teses sobre samba e carnaval. Mais recentemente surgiu
o Núcleo do Cupinzeiro, que reúne alunos do Instituto de
Artes, alunos de outros institutos da Universidade, muitas pessoas do
contingente afro-brasileiro da cidade. O grupo tem por objetivo reconstituir
a memória do samba de Campinas e paulista, e usar esse conhecimento
como inspiração para continuar fazendo samba de raiz.
E qual
tem sido seu trabalho junto ao Núcleo?
Olga
Moraes: Tenho funcionado como uma espécie de auxiliar, orientadora,
para eles conseguirem essas informações. Eles cantaram hoje
dois sambas que eles descobriram que eram cantados na fazenda do Barão
Geraldo de Rezende, que é onde fica a Unicamp hoje. Era uma grande
fazenda de café de um dos barões do café do século
XIX, mas ele valorizava a cultura popular e deixava que seus escravos
fizessem samba. Ele convidava os amigos e as pessoas que iam a Campinas
para assistir ao samba que os negros faziam. Uma de suas filhas escreveu
uma biografia sobre o pai. Nela, ela conta esse fato. Como ela também
era musicista, ela transcreveu alguns desses sambas. Através do
registro de uma branca, a gente consegue reconstituir o samba dos negros.
Como pesquisadora,
a senhora deve saber muito sobre modalidades de samba esquecidas na História,
como a tiririca, a versão paulista da capoeira...
Olga
Moraes: Quem sabe da tiririca é seu Nenê da Vila Matilde.
Em São Paulo, a capoeira se chamava tiririca e era praticada no
Largo do Correio, na Praça da Sé. Na Vila Matilde, eles
jogavam a tiririca no Largo do Peixe todo sábado à tarde.
Foi da prática da tiririca que eles começaram a se reunir.
Depois, as moças exigiram que eles fizessem outra coisa. Aí
surge a Escola de Samba, pra poder reunir os rapazes e as moças
do bairro.
A tiririca
deu lugar à Escola de Samba e desapareceu?
Olga
Moraes: Na verdade, como a capoeira, a tiririca sofreu toda uma transformação
para poder ser incorporada na cultura urbana contemporânea. A capoeira,
hoje, é vista como uma forma de esporte, envolvendo a classe abastada.
Perdeu seu caráter de resistência, de denúncia da
discriminação, mas ganhou outra possibilidade de expansão
no mundo contemporâneo.
Que outras
modalidades de samba a senhora identificou no seu trabalho, também
desaparecidas ou descaracterizadas?
Olga
Moraes: Bem, as raízes do samba de São Paulo são
distintas do samba do Rio de Janeiro. No Rio, o samba é mais urbano,
por influência dos baianos. Eles descem para lá com a Guerra
do Paraguai e com a Guerra de Canudos, em que foram soldados voluntários.
Quando elas terminam, eles buscam suas famílias e levam também
o pastoril e o samba baiano, que vai originar os ranchos de lá.
Em São Paulo, a raiz é do interior do Estado, ligada aos
escravos das fazendas de café e à prática religiosa
do jongo. O samba de roda, o samba de bumbo e o samba-lenço eram
feitos ao som de grandes bumbões, utilizados também no jongo,
cavados com fogo nos troncos de árvores e recobertos com couro
de animal. A batida do samba de São Paulo é mais lenta,
muito mais profunda, muito mais grave. A do Rio é mais rápida
e leve. Um ouvido treinado permite saber quando uma Escola de Samba é
de São Paulo ou do Rio de Janeiro pelo ritmo e pela profundidade
do toque.
A senhora
indica alguma bibliografia ou documentário para quem se interessar
pela história do samba paulista?
Olga
Moraes: A gente tem dois trabalhos interessantes, dois vídeos
de um videasta chamado Carlos Cortês: um, é Geraldo Filme;
o outro é sobre seu Nenê da Vila Matilde. São muito
bons. Eu tenho vários artigos publicados e meu livro, que estou
terminando, deve sair ano que vem pela editora da Unicamp. Tem também
um trabalho antigo, mas importante: é de Wilson Rodrigues de Moraes,
Cordões e Escolas de Samba de São Paulo. Mas a bibliografia
sobre São Paulo ainda é muito restrita. São poucos
os pesquisadores que se voltaram sobre a realidade de São Paulo.
Sempre houve mais interesse sobre o samba do Rio, que é um fenômeno
muito mais internacional.
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